Exposição: 03/08 a 05/09/2015
Centro Cultural Padre Eustáquio
As flores
são símbolos fortes de vida. São sinais de cuidado. Um resultado do nosso
prático espírito contemporâneo, são as flores de plástico. Algumas
até parecem ser de verdade em seus mínimos detalhes; outras, meras cópias
grosseiras. Imitações natimortas. Algumas solitárias, outras em
ramalhetes. Decoram, homenageiam. São práticas, não murcham, não causam
alergias, não cheiram, não precisam ser regadas, mas desbotam.
Exposição de Du Flauzino apresenta uma crítica à frivolidade contemporânea
A
exposição de Du Flauzino intitulada #floresdeplásticodesbotam reúne
um conjunto de obras da artista realizadas entre 2013 e 2015. Trata-se de
pinturas em tela com acrílico de grande formato, uma série de fotografias
digitais e vídeos-performance, acrescidos de uma instalação site
specific e uma performance especialmente idealizada para a vernissage.
Mineira de Caratinga, a artista é radicada em Belo Horizonte, é formada em
Artes Plásticas pela Escola Guignard da UEMG e tem realizado diversas
exposições desde 2010.Du
Flauzino é representante de uma nova geração de artistas mineiros que despontam
na atualidade, com uma técnica apurada, uma temática contemporânea e uma
capacidade de provocar questionamentos. As suas obras
refletem plenamente os ensinamentos e a tradição artística do mestre Alberto da Veiga
Guignard, guiada pela máxima “liberdade e disciplina”, a qual prega a
liberdade da expressão subjetiva do artista e ao mesmo
tempo uma metodologia disciplinada do olhar, voltada para o
desenvolvimento de uma linguagem própria e da observação continuada do seu
entorno.
Além de
apresentar em sua obra aspectos da tradição da arte moderna herdada de
Guignard, e sofrer influência de Claude Monet e Wassily Kandinsky na escolha
das cores e nas pinceladas, Du Flauzino ultrapassa as questões tipicamente
modernistas, que pregam a autonomia da arte. A artista cria uma poética
própria, um microcosmo que reflete de um modo crítico questões da
contemporaneidade, estabelecendo um diálogo diacrônico entre o contexto atual e
o passado.Naturezas
mortas são representadas através de uma paleta conflitante. Em algumas
telas tons vibrantes de amarelo, laranja, vermelho, cor de rosa,
branco e verde configuram arranjos de flores no primeiro plano,
enquanto que ao fundo descortina-se um cenário melancólico, que
ora se desvela plenamente e passa ao papel de protagonista, ora se esconde,
predominando o negro, o marrom, o ocre, o azul e o cinza. Distinguem-se neste
cenário alguns elementos arquitetônicos enigmáticos, os quais são uma alusão
não muito evidente a monumentos funerários, túmulos, jazigos e mausoléus. O
conflito reside na alegria e viço das flores, as quais salientam a beleza e a
efemeridade da vida, em contraste com a densidade e a profundidade das questões
existenciais do ser humano.Na
fotografia, novamente temos os mesmos motivos, só que o sentimento de desolação
e degradação é elevado ao extremo. Flores de plástico se mostram desbotadas, e
as poucas flores frescas que adornavam os monumentos, estão murchas, ressecadas
e com suas cores alteradas. A arquitetura do Cemitério do Bonfim se torna mais
presente em algumas fotos, enquanto que em outras há uma explosão de
felicidade nas cores intensas provenientes das flores artificiais, em
uma alusão à estética do kitsch.Há que
se destacar entre as obras os vídeos-performance. Um deles é o registro da
performance “Núpcias” realizada pela própria artista no Parque Municipal
de Belo Horizonte em 2013. São produzidas imagens e situações absolutamente
desconcertantes, através de uma noiva de vestido branco que
perambula abraçada a um pequeno caixão branco, e que em um
segundo momento deposita o caixão no centro de uma mesa, senta-se em
uma cadeira posicionada na cabeceira e bebe uma taça de
champanhe. Na outra ponta da mesa há uma cadeira vazia, o que
denota a ausência de um terceiro personagem (presumindo-se que o segundo
personagem seria o morto). A mesa e as cadeiras são cobertas de um tecido
vermelho, cuja cor produz significados ambíguos, que denotam por um lado o amor
e a paixão do casamento, e por outro lado o sangue e a dor da morte. A
performance gera inúmeras possibilidades de leitura, que vão da tragédia grega
à psicanálise.As obras
que compõe a
exposição mostram uma complexidade de sentidos que entrecruzam temas atuais com
olhares, rituais e símbolos atemporais. Du Flauzino traz à tona questões
fundamentais do ser humano, como a solidão, o abandono, a morte, a memória, a
falsidade, o amor, a promessa de felicidade, a alegria e a efemeridade. Ao
mesmo tempo em que a artista resgata signos antigos, ela
denuncia de modo perturbador o esvaziamento
dos seus sentidos e questiona a frivolidade da sociedade
contemporânea.
Celina Lage é crítica de arte, curadora e professora do Programa de
Pós-Graduação em Artes (PPGA/UEMG). Professora
Doutora. Mediação
e Curadoria em Arte e Cultura